quarta-feira, 12 de novembro de 2008

MEKARON por Roberto DaMatta

Ouvi hoje que a alma dos mortos, os chamados mekaron, saem dos corpos e vagam pelo mundo. Tudo tem um ‘mekaron’, que são imagens de duplos das coisas materiais concretas. Mas como os Apinayé não leram Platão, eles idealizam as imagens como sendo coisas fracas e muito difíceis de fixar. Se para Platão as imagens eram o ideal, para os Apinayé as imagens são aquilo que não deveriam acontecer, porque elas são fracas, imperfeitas e desaparecem.
Os mekaron são índices ou modelos de perfeição, são fugidios e ficam na memória por pouco tempo e a muito custo. Por isso, não são vistos a olho nu. O trabalho dos pais é colar o mekaron no corpo das crianças, pois elas podem perdê-los por serem frágeis. E, sem eles, não haveria subjetividade, e pessoas morreriam. Na aldeia dos mortos, não há castigo nem recompensa, como vivemos aqui. Depois de muito viver, esses mekaron morrem. E sai deles, um mekaron do mekaron, ou seja, uma alma da alma e encarna em um animal, até morrer.




** Roberto DaMatta é antropólogo e professor titular da PUC Rio